O que é felicidade?
Um filósofo hebreu, o conhecido rei Salomão, certa vez fez a si mesmo indagações interessantes sobre assuntos relacionados à felicidade humana. Num dos textos antigos de sua autoria, ele registrou as seguintes palavras:
“Nem mesmo muitas águas não são capazes de por fim ao amor, nem podem os próprios rios levá-lo como numa enchente. Mesmo se um homem desse todos os bens valiosos de sua casa em troca do amor das pessoas, elas ainda assim os desprezariam.” (Citação do livro bíblico de Cântico de Salomão, capítulo 8 e verso 7)
Interessante tal passagem. Ela ilustra um fato indiscutível sobre a felicidade humana (que neste caso pode ser representada pelo amor): ela não pode ser comercializada. Esse fenômeno chamado felicidade ocorre de forma espontânea e sem direcionamentos cem por cento planejados. Não há, também, até onde eu sei, uma fórmula mágica para se conseguir tal coisa puramente humana. Isso é um assunto muito complexo.
Mas, uma coisa é certa e indiscutível: o homem é culturalmente acumulador de conhecimentos. Todas as coisas abstratas que conhecemos foram historicamente formuladas e transmitidas a nós, de forma pronta. Todavia, deve estar se perguntando, o que este fato tem a ver com a felicidade? Ora, tem tudo a ver!
Se a felicidade não tem uma fórmula única de ser alcançada isso ocorre, na verdade, porque trata-se de uma abstração. Mas o que são abstrações? Não são conceitos? Isso mesmo, são conceitos. Os conceitos são culturais. Essa necessidade abstrata de felicidade é cultural. Concluímos, então, que fatores culturais, estes sim é que podem contribuir para a nossa felicidade. Mas quais são os fatores culturais? Vejamos:
Em primeiro lugar, devemos ter presente o fato de que o ser humano é uma espécie social. Isso já nos coloca um aspecto importante para a felicidade pessoal: a necessidade do “outro”. Você entende bem essa necessidade? Conhece alguém que é feliz sozinho? Talvez diga que sim, devido ao encurtamento das relações humanas que foi provocado pelo avanço das técnicas de comunicação, como a internet, por exemplo. Mas meditemos um pouco sobre isso: será mesmo que tais técnicas de comunicação ou interação avançadas realmente suplantaram tal necessidade humana? Não; não suplantaram! O que ocorreu na realidade foi apenas uma mudança nas relações mas não o fim delas. A necessidade de interação e integração continua intacta!
Mas por que dizemos que tal interação humana é tão importante para a felicidade? Ora, pelo simples fato já comentado: ela (a interação) supre uma necessidade ontológica, intrínseca, inerente. Quando o ser humano deixa de atender às suas necessidades fisiológicas inerentes, as partes fisiológicas de seu organismo saem prejudicadas. Isso ocorre exatamente igual com os fatores culturais ou sociais.
Existem outros fatores culturais, isto é, que foram construídos socialmente e que são importantes para a nossa interpretação sociológica da felicidade? Sim, podemos dizer que existem! Mas quais?
A necessidade de espiritualidade. Já ouviu falar sobre isso? Com certeza deve ter ouvido. Esse fator socio-cultural é importantíssimo. É primordial que satisfaçamos essa necessidade puramente humana, proveniente da capacidade de abstração humana. No entanto, é importante uma ressalva! Não confundamos a espiritualidade com religiosidade! A religião, a filosofia ou a seita que escolhemos seguir em nossas vidas não constitui cem por cento a satisfação de nossa necessidade espiritual. Esses são apenas meios pelos quais os homens e mulheres procuram tal satisfação, mas eles não são a satisfação em si, a priori. Essa admoestação pode ser importante para que se evitem extremismos ligados à tentativa de satisfação de nossa necessidade pessoal. Queira notar que essa necessidade é cultural, logo será, automaticamente, relativa!
A familia. Esta é uma grande descoberta do gênero humano na sua estrada de progressão! Quando o homem progrediu em humanidade o fez em grupos, em famílias! Essa instituição socio-cultural é a base da felicidade humana. É nela que ocorrem as transmissões dos demais fatores culturais por meio da aprendizagem das abstrações. A apreensão do que é ser humano, do que isso significa, ocorre inicialmente na própria família. E tal palavra é de tão importância que pode ser altamente relativizada, amplificada. A família pode significar quaisquer grupos de significação para o indivíduo que sejam! Pode ser um pai e uma mãe, um avô e uma avó, só um pai ou só uma mãe, dois pais ou duas mães, tanto faz… O significado de família é institucional, é eterno. Ele faz parte da satisfação de uma necessidade humana inerente e básica!
A natureza. É um ponto indispensável a se considerar no assunto da felicidade. Embora muitos afirmem que o homem suplantou o seu estado natural por ter formado cultura e ter, com isso, se diferenciado do restante da natureza, isso evidentemente constitui um equívoco. Nós somos formados fisicamente de elementos idênticos aos da natureza. As nossas moléculas são formadas de átomos de Carbono, o mesmo elemento que constitui as moléculas da terra onde nascem as plantas. O ar que respiramos é o Oxigênio e liberamos um outro, o gás carbônico; este, por sua vez, serve para a respiração das plantas, que liberam o nosso Oxigênio. Trata-se de um processo de inter-dependência. Como podemos dizer ou concordar que o ser humano é diferente ou está fora da natureza? Todos os ciclos naturais que ocorrem fisiologicamente com os demais seres vivos estão presentes em nosso corpo: nascimento, crescimento, reprodução, evelhecimento e morte. A única diferença é a capacidade de abstração. Cremos que um dos fatores mais importantes para a felicidade humana é ele, o homem, apreender e aceitar o fato de que faz parte da natureza e que a nossa existência é física, fisiológica e finita. O que ocorre além de nossa existência física (se é que ocorre) trata-se de algo abstrato, pertencente ao plano das idéias. Consegue aceitar tal idéia?
Materialismo. Também conhecido como apego aos bens materiais. Esta palavra está aqui usada no senso comum, no sentido mais conhecido popularmente. Ora, contribui tal fenômeno para a felicidade humana? Bem, a pedra de toque que estamos analisando aqui são os fatores socio-culturais como referência para a nossa felicidade, visto que esta trata-se de uma abstração proveniente desses. É o materialismo um fator socio-cultural? Sim, sem dúvida! Essa concepção de que para ser feliz o ser humano necessita de mais e mais bens materiais foi historicamente construída. Muitas vezes está ligada a uma visão de individualismo, coisa que só existe no plano das idéias, pois ninguém é, de fato, individualista, visto que existe em sociedade e carece do “outro” para reafirmar o seu “eu”. Bem, uma coisa é certa: assim como o individualismo só existe ideologicamente, o materialismo parece caminhar na mesma trilha. É fato antropológico a afirmação de que o ser humano, por ser fisiológico, sente-se bem em suprir necessidades físicas. Isso dá prazer resultante da satisfação física. Portanto, o materialismo, quando interpretado como tal satisfação, pode ser incluído no fator de felicidade devido a esta questão fisiológica. Todavia, àqueles que o direcionam (o materialismo) apenas ao campo ideológico, sem nenhuma significação socio-cultural ou fisiológica, deparam-se muitas vezes com frustrações e descontentamentos, convivendo, na maior parte do tempo, com um sentimento de vazio e falta de felicidade!
Bem, os fatores socio-culturais envolvidos na temática felicidade são muitos e variados! Uma coisa não podemos negar: a interpretação do que traz a felicidade ou do que é felicidade sempre será relativa. Nós jamais devemos tentar interferir na forma como as pessoas se sentem pessoalmente felizes, desde que elas mesmas nos peçam tal “ajuda”. A felicidade, além disso, é uma jornada, e não um caminho. Basta você começar a se sentir feliz e isso irá cada vez mais se tornando realidade, uma realidade pessoal e abstrata!
Você se considera feliz?
(∞ Marcondes Lucena, sobre a felicidade ∞)